A menina espiava a rua pela janela de sua
sala de aula enquanto o professor vinha ausente por estar atrasado. Assim
passaram-se poucos, mas longos minutos, a sala em completa balbúrdia e a menina
calada, contemplativa, observando os efeitos de um breve período de tempo sobre
a rua monótona e vazia.
Decorrido algum tempo, um cachorro
penetrou a rua timidamente, andando devagar. As orelhas caídas, olhar lânguido
e o rabo abanando com feliz esperança de encontrar comida nas sarjetas imundas
da rua cinzenta. Não o encontrou e, enquanto procurava, a menina assistia a seus
passos admirada com seu porte lupino e sua alvura imaculada de uma pureza
angelical.
Sentiu então a menina súbito desejo
incontrolável de mostrar sua descoberta ao mundo: um lobo da cor das mais
calmas nuvens rasgava sacolas com seus caninos afilados em busca de
subsistência; um animal tão belo e magnífico abandonado ao léu sem receber de
ninguém o amor que tanto merecia devido à extrema pureza que trazia em si.
E desviou seu olhar para o interior da
sala de aula, mas todos estavam tão ocupados que não poderiam ouvi-la. Em um
canto da sala, um pequeno grupo de meninas tirava inúmeras fotos com um celular
de última geração; noutro, meninos brincavam de esgrima com floretes graduados,
de plástico, feitos originalmente para medir; mais próximos da porta, dois
garotos encrenqueiros cochichavam segredos que eram seus planos para suas
próximas vítimas. E, com a sonda de seu olhar, viu que ninguém atenderia a seu
chamado. Diriam: “Para quê?”, e ela responderia: “Para ver um cachorro”, ao que
responderiam, “Ah, tenho mais o que fazer”.
E continuou então a seguir o cão com os
olhos, sozinha. Queria mostra-lo a mais alguém, mas ninguém queria ver. E o cão
tropeçou nas próprias patas ao se desviar de um carro, um perigo, uma máquina
de matar feita pelos humanos. A menina andava de carro todos os dias, mas o
cachorro jamais entraria em um. E nem deveria entrar. Um cão tão alvo, tão
forte, tão grande, tão lobo, era sempre mais que um carro. Não importando a cor
do carro. Mesmo um preto, de luxo, ainda seria menos que o pobre cão que
procurava o seu lugar. Mal sabia ele que tinha um: poderia morar no olhar da
menina, se quisesse. A menina, que estava sozinha, mesmo cercada de tanta
gente. A menina, que era a única a descobrir os anseios do cão. Ela, que era a
única a ver um grande lobo albino no centro, no coração, na bagunça da cidade —
onde as escolas se situavam. E da janela de uma delas, um único rosto olhava o
céu. Porque o cão-lobo estava no céu; pisava nas nuvens que forravam a calçada
onde, no dia anterior, um velhinho distribuíra algodão doce para os passantes
que descartaram os restos do açúcar algodoado no chão.
Agora o professor entrava na sala. A
menina teria que voltar ao seu lugar e se despedir do cão-lobo. Ela o fez com
um último olhar e profunda admiração no peito. Não era admiração pelas nuvens
lá embaixo, enegrecidas pela sujeira das horas. Tampouco pelo porte ou pela
alvura do cão. A menina não se admirava da coragem, da solidão ou da sabedoria
do lupino. Ela se admirava porque, de todas as trinta pessoas que estavam ali,
apenas ela viu o cão-lobo na rua vazia. E justamente por estar vazia, ninguém
na rua viu o animal, porque não havia ninguém para vê-lo. E um imenso
sentimento de singularidade encheu o coração da menina. E era por esse
sentimento que ela se admirava: o único cão-lobo albino da cidade era dela. Só
dela.
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