quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Evolução

      De rosto limpo, sem base, sem pó, sem sombra, sem blush, maquio-me com um sorriso, e deixo pulsar em mim a luz de esperança alentadora; esperança de que as coisas possam ser melhores a cada dia. Porque olha, a vida pode ser bela, a vida pode ser boa, mas erros e contradições fazem parte da natureza humana — e alguns erros custam caro, muito caro. E todos os dias é necessário aprender a lidar da melhor maneira possível com as próprias falhas, e assim vai-se aprendendo a encarar a vida de forma mais leve e despreocupada, sem criar tanto caso de coisas pequenas, sem se deixar sugar por pessoas de intenções negativas. Existem tantas coisas que, se me acontecessem há alguns anos, ou há poucos meses, seriam capazes de estragar o meu dia, mas que agora já não podem me afetar tanto. É que a mente muda de um estado para o outro e acho que isso ocorre por causa de uma busca constante pela saúde emocional. Mas não estou dizendo que me insensibilizei para as coisas — estou, em verdade, me vacinando contra o que não agrega. E a cada dia, tudo se torna mais leve, mais simples, e as coisas vão melhorando ao ponto de eu não sentir tanto o desespero que costumava andar ao meu lado todos os dias, no peito sempre apertado e palpitante, junto com uma raiva contida que, ao menor desagrado, era injustamente atirada sobre alguém. Meus problemas já não pesam tanto, não são mais capazes de me definir; porque aprendi, a duras penas, que embora cometa muitas falhas, eu mesma não sou uma. E é por isso que a cada dia o sol nasce outra vez, a cada vez uma nova chance de tudo ficar bem. E aquela ansiedade toda, que estava muito além dos limites do saudável, ainda está comigo sim, mas diminuída e se enrareceu sua capacidade de me paralisar. E com o tempo vou aprendendo a me tratar melhor, cultivando a gentiliza dentro de mim e levando-a para os outros em um reflexo da esperança de evoluir em meus caminhos. Evoluir: palavra que é tão bela quando seu significado é visto na prática, porque o que evolui é o que cresce de dentro para fora, e ao crescer se desenvolve em maturidade. E sei muito bem, apesar de romantizar um pouco as coisas, que a evolução é apenas uma ferramenta necessária e essencial para a sobrevivência.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Pequenos Lutos

      É sofrer a consequência de um erro que custou caro.
      É perder uma amizade a preço de orgulho.
      É o término de um relacionamento.
      É quando um lar cessa de sê-lo porque você já cresceu demais para caber nele e precisa voar logo antes que cresça ainda mais e não sobre mais espaço para abrir as suas asas.
      É quando uma cicatriz faz a integridade de seu corpo cair para noventa e nove por cento, e quando uma dor ainda não identificada o coloca pronto para aceitar o fato de que será preciso pegar mais leve nos exercícios impactantes.
      É quando uns quilinhos perdidos voltam, adicionando peso morto ao corpo.
      É quando se conclui o ensino médio e dá-se conta de que o dia a dia não permanecerá o mesmo.
      É quando o ano está para acabar e o ciclo dá seus últimos nós antes do desmanchador de costura do tempo e destino nos colocar novamente de pé sobre a primeira linha de uma folha em branco.
      É quando um grande projeto pelo qual se trabalhou durante o ano inteiro finalmente foi realizado com sucesso, tornando inteiramente desnecessário o processo de preparação.
      É quando chega o aniversário de morte de uma autora favorita que faleceu décadas antes de eu nascer.
      É quando a festa acaba.
      É quando o sol nasce e se é obrigado a despertar dos sonhos para viver mais um dia, e os sonhos se tornam apenas vagas lembranças embaçadas.
      É quando a ansiedade sufoca a alma e impede de vivenciar os bons momentos da vida, que vai passando enquanto vou ficando, presa pelas palpitações que encolhem o peito.
      É quando chego no fim daquela barra de chocolate deliciosa.
      É quando a infância acaba e com ela vai-se embora a fascinação por certas coisas corriqueiras.
      É quando termina o ano em que a maioria dos feriados caiu numa quinta-feira.
      É quando sei que não pude fazer uma gradação.
      É quando não se tem mais notícia de rostos conhecidos e queridos.
      É quando, como agora, sou abatida pelo sono e o ritmo piora.
      E é nas pequenas perdas cotidianas que sinto na boca o sabor amargo de uma amostra da morte e, embora ela não tenha chegado ainda, sempre dá jeito de estar presente afinal, a morte faz parte da vida.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Perdido

Um dia, um escritor traduziu os seus textos para todas as línguas existentes na Terra. Eram tantas palavras se confundindo em tão ampla mixórdia que, ao terminar, ele já não podia identificar quais palavras pertenciam à sua língua materna e quais palavras voavam soltas pelo mundo. O escritor então se esqueceu como se escreve e, não podendo mais escrever, enlouqueceu, transformando sua vida em meras palavras antigas que se escondiam em uma gaveta, os papeis a amarelar.